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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

S. Jorge Palco de Cultura Musical

Por Pe. Manuel Garcia da Silveira,
Pároco da Igreja Matriz de São Jorge (Velas)


Dos quatro então feitos por mestre Gregório de Lacerda, apenas existe o desta Matriz de S. Jorge. 
O n.2 foi colocado na Igreja de S. Sebastião, freguesia da Calheta do Nesquim, Pico, e o n.4 na Igreja de Nossa Senhora da Piedade na mesma ilha.

Em 1827, veio de S. Miguel para esta Ilha o órgão n.29, feito em Lisboa, no ano de 1790 por um dos maiores organeiros portugueses da segunda metade do século XVIII, António Xavier Machado e Cerveira. Destinava-se inicialmente este pequeno instrumento a um convento de religiosas na Ilha do Arcanjo e que o recusaram por um "cheio" ser muito forte em contraste com as vozes brancas das ditas religiosas, tendo sido adquirido posteriormente pela Matriz da Calheta pelo preço de 590$000 reis. Importa realçar que das oficinas deste exímio organeiro saíram muitos órgãos para estas ilhas, alguns até de grande porte e perfeita execução.

A igreja de Santa Bárbara das Manadas também possuiu em tempos idos o seu órgão de tubos. Embora modesto, era razoável e com a singularidade de ser em forma de "armário", feito por Sebastião Gomes de Lemos, no ano de 1851, conforme placa nele existente. Jaz morto e bem morto, em mil cacos, num recanto da referida igreja.

A pitoresca freguesia da Urzelina - a Sintra jorgense - adquiriu também o seu órgão, armado, ao que parece a partir dos restos de outro instrumento, por Marcelino de Lima, natural do Faial, no ano de 1855, tendo sido posteriormente restaurado por Tomé Lacerda em 1868 e mais tarde pelo seu sobrinho, o Maestro Francisco de Lacerda, que nele tocou com primor e beleza, delícias do seu génio musical.

Refira-se a título de curiosidade, que a cidade da Horta, berço que foi da literatura açoriana, na segunda metade do século passado, possuiu na mesma época de florescimento cultural, duas competentes oficinas na feitura e montagem de tais instrumentos, o que muito dignifica a Ilha do Faial.

O lugar dos Biscoitos não ficou atrás nesta maré alta, diríamos contagiante, de cultura musical que então grassava por toda esta ilha e que era fruto igualmente dos sinais do tempo! Nele havia muita fé e arte.
O seu órgão de tubos foi feito na Horta por mestre Manuel de Serpa da Silva, que em tempos se havia especializado nesta arte, na cidade americana de New Bedford. O seu custo rondou os 600$000 reis, tendo sido armado em 20 de Maio de 1890. Em virtude da muita humidade sentida naquela zona, foi vendido para a Igreja da Silveira, ilha do Pico.

Prosseguindo a nossa pesquisa pela ilha dentro, não podemos olvidar Santo Antão e Norte Grande, freguesias que também possuíram os seus órgãos, tendo o primeiro sido adquirido em Lisboa graças aos esforços do Pe. Francisco Xavier e Castro e do Dr. João Paulino de Azevedo e Castro, irmãos, este último Vice-Reitor do Seminário de Angra e mais tarde Bispo de Macau. Era pequeno, de flautado muito suave. Pertencera em tempos a um Convento de freiras. 
Conforme assevera o Pe. Manuel de Azevedo da Cunha, era órgão de tanta suavidade, só comparável ao da Misericórdia de Angra!

O órgão do Norte Grande viera do Faial, mais propriamente da freguesia dos Flamengos e por indicação do erudito Pe. João Goulart Cardoso, figura ilustre do clero faialense. Este pequeno órgão, de oitava curta, tinha pertencido originalmente ao Convento e Colégio dos Carmelitas da cidade da Horta que, considerando-o modesto para tão imponente como majestoso templo, o venderam em 1898, altura em que serviu pela primeira vez em 23 de Outubro do mesmo ano, numa festa do Coração de Jesus e em que foi orador o próprio Pe. João Goulart Cardoso.

O actual órgão existente na Ribeira Seca, já não é o n.1 armado por Tomé Gregório de Lacerda, em 1854, pela importância de 600$000 reis, mas sim outro, desta vez feito por Manuel de Serpa da Silva em 1892, tendo chegado à Ribeira Seca em 29 de Maio do dito ano e pela importância de 580$000 reis.

Finalmente, chegamos à bela Matriz de Nossa Senhora do Rosário, da Vila Nova do Topo, indiscutivelmente uma das quatro notáveis e artísticas igrejas de S. Jorge. O seu órgão foi feito na Horta por Manuel de Serpa da Silva e armado em 29 de Maio de 1895, pela importância de 900$000 reis. Tanto este órgão como o da Calheta foram colocados inicialmente em coretos laterais, do lado esquerdo, transitando o do Topo, há poucos anos, para o Coro alto, onde se encontra presentemente em agonia forçada, após tantas ofensas e maus tratos infligidos por via desta inadequada e infeliz mudança... ficando destruída a caixa por não caber onde não devia estar...

Quanto ao da Matriz da Calheta, nem falar nisso. Uma dor de alma... Totalmente destruído, sem dó nem piedade, feito em mil cacos! Mãos caridosas, alertadas por quem escreve estas linhas, os juntou, fazendo-os guardar a fim de se não perderem irremediavelmente e para sempre. Machado e Cerveira, que lhe imprimiu carinho e muito amor, ter-se-ia, concerteza, revirado na sepultura, perante tamanha indignidade!...
Presentemente, e em jeito de reparação moral tardia, este órgão está a ser restaurado, tendo a Secretaria Regional da Cultura despachado já a verba necessária, o que folgamos, já que depois da tempestade vem a bonança...

Como conclusão de tudo isto, devemos e podemos concluir qe em 1924 existiam ainda em S. Jorge dez órgãos de tubos, o que é muito significativo para o tempo, órgãos esses que enriqueceram e valorizaram a cultura musical das nossas gentes pelas mãos hábeis de tantos desconhecidos organistas a quem, neste momento e lugar prestamos sentida e justa homenagem pela dedicação e fidelidade na arte do teclado.

Voltando novamente a nossa atenção ao órgão desta Matriz, importa referir que o mesmo deixou de tocar, logo após a crise sísmica de 1964, altura em que acusava já muitas deficiências.
Com a chegada do novo Pároco em Agosto de 1980, logo se começou a prestar cuidadosa atenção a tão ilustre instrumento. Assim, em 1984, e por deferência do então Director Regional para os Assuntos Culturais, Dr. Jorge Eduardo Forjaz e a pedido do Pároco da Matriz (recorde-se que a Fundação Calouste-Gulbenkian levou 3 anos a responder negativamente a uma carta-pedido do Pároco da Matriz), o órgão de Velas foi altamente beneficiado na sua caixa com o restauro da mesma e limpeza sumária da máquina, trabalhos esses efectuados por abalizados técnicos da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, de Lisboa, que na altura se encontravam a restaurar as talhas dos altares da Igreja das Manadas.
Seguidamente, ou seja, em 1986, o mesmo órgão é sujeito de uma oportuna como aturada reposição de tubos, limpeza de outros, trabalho efectuado gratuitamente por um simples curioso na matéria, amigo desta Matriz, o bem dotado músico, Senhor Júlio Vieira Rodrigues que o fez tocar de novo, embora parcialmente, enchendo por conseguinte a Matriz de santo júbilo e de renovada esperança.

Todos os demais órgãos emudeceram por completo, perdendo o pio... Alguns, como as árvores, morrendo de pé, mas envoltos em tamanha dignidade, outros porém, a abarrotar de lixo, transformado em vazadouro do lugar... outros ainda (que desolação) feitos em mil cacos, à força de pés de cabra, brutalmente destruídos pela insensibilidade e ignorância de quem de direito o não devia ter feito. Santo Deus, ao que se chegou!...

Neste momento de júbilo para todos nós, em dia de inauguração, uma palavra muito justa se impõe ao bom povo desta Comunidade Paroquial da Matriz, que logo de início compreendeu a urgência do restauro deste instrumento, contribuindo com as suas dádivas generosas que fizeram face aos 50% necessários para o orçamento em causa. Uma palavra muito justa ainda para a Comissão de Senhoras que angariou e andou de casa em casa, de porta em porta. A todas as entidades que patrocinaram esta empresa deixamos aqui a nossa amizade, o nosso muito obrigado. Finalmente, fazemo-lo de propósito, uma palavra muito especial para com a Direcção Regional dos Assuntos Culturais, pelo subsídio de 865 000$00 concedidos, ajuda deveras imprescendível para tão avultada despesa. Sem a sua colaboração, dificilmente teria sido possível este grande benefício.
Ao organeiro, Manuel Dinarte Machado Borges, jovem artista a quem muito há a esperar do seu talento, pelo interesse, pelo carinho e devoção que sempre pôs ao serviço deste instrumento, a minha amizade, o nosso agradecimento.


Fonte:
Revista Insula, 13 de Junho de 1990

Agradecimento:
Pe. Manuel Garcia da Silveira,
Pároco da Igreja Matriz de São Jorge (Velas)

domingo, 8 de agosto de 2010

Órgão de Tubos Renasce na Matriz das Velas

Em S. Jorge...
Órgão de Tubos Renasce na Matriz das Velas
Por Pe. Manuel Garcia da Silveira, 
Pároco da Igreja Matriz de São Jorge (Vila das Velas)



Dentre o variado e expressivo espólio histórico-cultural desta Região, ocupam posição de indesmentível relevância os chamados órgãos de tubos.

Alcandroados em lugares cimeiros das nossas igrejas - coros altos - ou então em coretos laterais, em jeito de arremedo feito à pressa, estes preciosos instrumentos, revestidos de caixas onde por vezes avultam as talhas douradas e as mais belas motivações de arte barroca, foram durante décadas focos de irradiação cultural e de elevação do espírito.

Ecoando por sobre abóbodas e arcarias dos nossos vetustos templos, os órgãos de tubos foram, através de gerações sem fim, uma presença amiga, o deleite incontido do espírito, a oração cantada, a sinfonia em prece ardente de tantos em união com Deus.

Vitimados pela voragem do tempo e pela incúria dos homens, emudeceram quase por completo, deixando todavia na sensibilidade artística de tanta gente uma saudade pungente...! É que dói imenso vê-los agora calados, eles que foram concebidos e armados com tanto amor para cantar louvores ao Altíssimo, para cantar as belezas da arte, numa palavra, para rezar!

Fazer uma análise histórica sobre a introdução destes instrumentos nesta ilha de S. Jorge, não se nos afigura tarefa fácil. Os elementos não são assim tão abundantes. Todavia, crê-se que as igrejas desta ilha de S. Jorge só tiveram órgão de tubos no século XIX, com excepção honrosa para a Matriz das Velas, Igreja principal de S. Jorge, a primeira que teve órgão, e já no século XVIII, segundo julgamos pela seguinte e elucidativa nota do então Pároco, Rev. Pe. José Silveira Goulart:

"O pequeno órgão que está em S. Francisco - refere a dita nota:
era da Matriz, e foi vendido à Santa Casa da Misericórdia quando da aquisição do órgão actual, em 1865.
Era portanto Provedor o Pe. Lacerda que o comprou por 150$000 reis. Não tinha nome do autor."

Continuando a citar a mesma nota, refere o Pe. Silveira Goulart: "tenho ideia de me dizer o tesoureiro, Victorino José Caldeira que aquele pequeno órgão tinha sido do Convento do Rosário das Freiras desta Vila. Mas a centenária, Vigária daquele Mosteiro - D. Maria Londina - que lá esteve em menina não confirma esta notícia e diz, bem como meu pai que está a fazer 90 anos, que o dito instrumento era mesmo desta Matriz de S. Jorge."

Como é óbvio concluir não é de crer que houvesse no Convento do Rosário uma daquelas peças estando privado dela o principal templo da Ilha e onde havia colegiada.

Refere o Pe. Manuel de Azevedo da Cunha, que temos vindo a seguir nas suas "Notas Históricas", que em 1651 já havia Mestre de Capela na Matriz das Velas, como se vê de um testamento. Havendo Capela, é de crer que houvesse órgão.

Em 1702, exercia aquele cargo o Pe. João Teixeira Ferro. Em 1715, o Pe. Jorge de Sousa Fagundes. Em 1750, o Pe. José Francisco de Azevedo. Em 1767, na ausência do Pe. Azevedo, ocupou o lugar o Pe. Joaquim Furtado de Mendonça, viúvo que foi de D. Joana Francisca da Silveira, ex-noviça do Convento do Rosário desta Vila e de cujo matrimónio nasceram seis filhos, três dos quais sacerdotes.

Reportando-nos à ilação do Pe. Cunha, a partir da existência do Mestre de Capela nesta Matriz para concluir que deveria haver órgão (uma coisa não se compreenderia sem a outra) tem plenamente razão o paciente e incansável investigador jorgense, e pela informação seguinte que reputamos de muito valor:

A 13 de Junho de 1676, no ano a seguir à Dedicação da Matriz de S. Jorge, encontrava-se novamente nesta Ilha, em Visita Pastoral, D. Frei Lourenço de Castro que, investigando minunciosamente esta Igreja Matriz, seus haveres, alfaias litúrgicas e demais pertences, tratando ainda da organização litúrgica da mesma, deixou no Livro 1. das Visitações, folha 35, esta preciosa observação que confirma todas as teses anteriores e, simultaneamente, atesta do zelo pastoral, bem como da solicitude deste santo e venerando Bispo, um dos mais notáveis Prelados que tiveram assento na Santíssima Sé do Salvador de Angra:

"... encomendamos muito ao organista que assista com pontualidade em suas obrigações, e tenha o cuidado de limpar o órgão..."

Daqui se conclui, e sem medo de errar, de que esta Matriz já possui o seu órgão no século XVII, e julgamos mesmo que a partir da primeira metade do mesmo, e até de um realejo, como se depreende de outra nota que encontramos no Livro 1. das Visitações, de 1676, a folha 40, recomendação esta feita pessoalmente pelo referido Bispo: "...mandamos ao Pe. Vigário que à custa do dinheiro que Sua Alteza mandou dar do que estaria para as fortificações mande vir um realejo para o coro da Capela Mor, e à custa da fábrica mande consertar o órgão velho do coro de cima..."  Se o órgão referenciado nesta nota estava velho, carecendo portanto de conserto, era porque acusava o peso de muitos anos, tanto mais que instrumento destes não se estraga em pouco tempo, já que no passado se fazia tudo em qualidade de materiais e em beleza de execução.

Que espécie de órgão seria? Conviria perguntar. Presumimos que fosse um órgão bom, adaptado às necessidades e exigências da época, como é natural, mas um órgão à altura da dignidade das "Igrejas deste Bispado".

A este propósito, convém citar outra nota, não menos importante e que decerto projecte alguma luz sobre o assunto:

A 20 de Fevereiro do ano de 1732, o Licenciado Jerónimo de Sousa Cabral, Vigário Confirmado na Matriz de nossa Senhora do Rosário do Topo, e Visitador Geral das Ilhas do Pico, Faial e S. Jorge, pelo Bispo D. Manuel Alvares da Costa, falando do Coro da Matriz de Velas, deixa exarada, no Livro 2. das Visitações, folha 69, a seguinte nota:

"...é notória a falta que há de um órgão para o Coro desta Matriz, porque o que nela se acha, além de ser muito antigo, está quase de todo defeituoso em forma que causa notável dissonância... que por isso tendo organista com ordenado, que para este efeito lhe tem consignado Sua Majestade, que Deus guarde: pelo que ordeno ao Reverendo Vigário que requeira do dito Senhor mande da (...) para esta Matriz um órgão de oito registos, como os há nas principais igrejas deste Bispado, e o deve haver nesta Matriz...".

Segundo se depreende claramente desta exigência do Visitador, a Matriz de S. Jorge, em Velas, sendo a principal desta Ilha, poderia e deveria ombrear em dignidade com as principais do Bispado na obtenção de um órgão de oito registos. Portanto, não devia ser um modesto instrumento, antes pelo contrário.

O actual órgão desta Matriz, de que nos ocupamos neste trabalho, foi contruído nesta Ilha por um ilustre jorgense, ano de 1865, de nome Tomé Gregório de Lacerda, tio do Maestro e Compositor, Francisco de Lacerda, figura que tanto honrou Portugal e os Açores, por terras eruditas da Europa, no campo musical. Tem, portanto, 125 anos e foi o terceiro dos quatro então construídos por tão hábil filho da Ribeira Seca, tendo custado na época 900$000 reis.

É feito de madeira de casquinha, carolina, jacarandá e câmbala, madeiras exóticas que arribavam então às ilhas ou trazidas do Brasil, fazendo lastro, em barcos que aqui faziam "aguada".

Possui 672 tubos sonoros e 18 registos partidos. A sua estrutura obedece, assim como o da Matriz da Calheta, ao estilo ibérico, enquanto os restantes existentes nesta Ilha evidenciam certas características de estilo inglês.

Fora colocado inicialmente, conforme a praxe do tempo, num coreto lateral, sob a arcada do lado esquerdo, tendo sido posteriormente transferido para o Coro alto em 1897 conforme nota exarada no Livro 4. das Visitações, folha 130.

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Fonte:
Revista Insula, de 13 de Junho de 1990.

Agradecimentos:
Pe. Manuel Garcia da Silveira, 
Pároco da Igreja Matriz de São Jorge
(vila das Velas, ilha de São Jorge)